
Eis aí uma banda de rock dos dias de hoje, só que com o benefício da experiência de quem viu (e viveu) do lado de dentro o hoje cultuado rock brasileiro dos anos 80 e sabe de todas as suas virtudes e defeitos. Sendo assim, Zimeth começa fumegando, com pegada punk, em “Não Tô Falando do Iraque”, uma reportagem sobre a guerra urbana brasileira, de seqüestros, assaltos e escopetas, que não acontecem só na “Cidade Maravilhosa depois de tantos desgovernos de araque”, mas também em Sampa, Norte e Sul e do país É, definitivamente o Zimeth não está aí para brincadeiras – diríamos que está bem mais para as verdades desferidas na boca do estômago, ao estilo Rage Againt The Machine.
O disco reúne algumas das canções que Ricardo veio compondo nos últimos 18 anos. Do começo dos anos 90, vem “Propina”, a primeira do que seria o seu trabalho solo – e que segue assustadoramente atual. Teclados épicos anunciam a dança da desordem, em versos que soam como frases captadas nos corredores do poder. “Eu amo meu bolso, eu vivo da corrupção.” “Que tal uma propina, que tal um jabá?” Nesse departamento, nada muda realmente. Do fim dos 90, por sua vez, vem “Lamentamos Informar”, outra daquelas que não precisam de atualizações. É um rock clássico, sobre um certo país em que se pratica na vida pública aquilo que normalmente só se faz entre quatro paredes. Ou então deixemos as coisas no bom estilo Zimeth: Brasil, o país da putaria. “Muda governo, não muda nada / dividem o bolo, jogam migalhas pra arquibancada”, canta Ricardo, com o grito de “pega ladrão” entalado na garganta. Tudo terrivelmente atual. E não é só no campo da política que o recado de Zimeth se destina. Em “Balança”, um dos rocks mais ferozes do disco, com um riff de guitarra de entortar quadris, ele alerta as deslumbradas em geral: o mundo não é o que você vê nas propagandas de TV. E quem entra na dança só dança se não souber balançar.
Se o tempo ensinou alguma coisa a Ricardo, porém, é que o bom disco de rock nunca é unidimensional. Um outro lado de Zimeth é o da busca pela redenção – ainda mais cantada por quem, como ele, já esteve no fundo do poço da depressão. No rock “Deus”, o vocalista clama, sem intermediários: “Deus, se é que Você tá aí, me diz o que é que eu faço aqui, me mostra a saída”. E em “Faz Acontecer”, a saída se materializa, entre guitarras dando rasantes: “a vida vale a pena, não tenha tanta pena de você”. Daí, a coisa se encaminha fácil para mais um dos lados do disco: a do romântico incurável, que não teme voltar ao tema mais recorrente da música pop. A começar pela balada “Respostas”, que ele resgata de Tide, esquecido disco do Dr. Silvana, lançado em 1987. Violão embala a solidão da madrugada, à espera de um sol que raia com citação de “Good Day Sunshine”, dos Beatles – uma fixação desse cara que já teve até um restaurante chamado Yellow Submarine. Outra do departamento romântico é “No Escuro do Quarto”, sobre separações (“onde será que você tá?/ nos braços, nos lábios de quem? / e a gente tinha tudo a ver / mas a vida não quis nem saber”). Já em “Tenta Não Complicar”, o amor surge em sua plenitude, com caprichados arranjos vocais: “vou estar do teu lado te dando a mão”.
Ainda do disco Tide, vem outra das músicas de Zimeth: “Tide”, um rock sobre a vida de um pobre cidadão condenado ser “marginal”. Censurada na época, ela volta com as palavras “mulher”, cachaça” e “maconha” que faltavam no refrão. É mais uma música no espaço de recriações aberto no disco. Ainda tem lá a balada “Temporada das Flores” (do ex-Kid Abelha Leoni), “Só Gosto de Quem Gosta” (do Hanói Hanoi Arnaldo Brandão e Tavinho Paes) e a versão hardcore-metal do clássico da MPB “Carinhoso” (de Pixinguinha e João de Barro, o Braguinha), revelando o brilho daquela banda nos cascos que gravou o disco: Gustavo Di Pádua (guitarras), D’Alessandro Mangueira (baixo) e Kelder Paiva (bateria). Taí: se alguém ainda não acreditava que o rock brasileiro poderia amadurecer sem perder a sua vitalidade, aí está Zimeth para ajudar a convencer do contrário.